De cabeça para baixo. Minhas costas doem, minha cabeça lateja pela grande quantidade de sangue que é obrigada a receber. Seria bom se conseguisse alcançar meu pescoço com as mãos, mas meus braços parecem pesados demais e não consigo movê-los. Estranho mesmo seria se eu não estivesse acostumada com isso tudo. Resiliência se tornou meu nome e me reconheço assim, somente assim. "Ei, você, menina dos olhos cor de gelo" "Resiliência" "Como?" "Meu nome" E geralmente as conversas acabam assim. Como eu disse: r-e-s-i-l-i-ê-n-c-i-a. São onze letras, e não é difícil de memorizar.
"Resiliência s. f.
1. Fís. Propriedade de um corpo de recuperar a sua forma original após sofrer choque ou deformação.
2. Fig. Capacidade de superar, de recuperar de adversidades."
O problema é que eu, ao contrário da palavra, sou difícil de memorizar. De me guardar. Queria poder dizer o contrário, mas eu até que prefiro assim. Me conformei, me confortei. Algo ruim acontece, e eu finjo que não aconteceu. Estico a perna sobre a ferida e continuo fazendo o que tenho que fazer. "Ande, mais um pouco, um pouquinho só" grita aquele otimismo irritante lá do fundo da minha cabeça. Mas tudo bem. E quando não está tudo bem? Nunca. Não coloco não no começo de uma frase em que a segunda palavra é "está", a terceira é "tudo" e a quarta é "bem".
Quem sabe eu sou resiliente demais. Veja bem, você que quer sofrer menos, você que pensa que isso é fácil e é tudo uma questão de auto educação: não é! Mas que surpresa agradável e que ninguém nunca diria. Nós, os resilientes, vamos te magoar, vamos pensar o contrário de tudo de bom que você nos diga. Ande, elogie-nos! Nós queremos pensar que é mentira para termos algo que superar! E nós rimos, rimos mais do que deveríamos. Somos invejados pelos desequilibrados, somos vistos como bonzinhos e ninguém desconfia. Nosso auto controle mantém tudo sob segredo, o que nos faz mentirosos para nós mesmos. E está tudo bem assim, obrigada.